Carros alérgicos e dentaduras
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Carros alérgicos e dentaduras


Essa é velha, especialmente entre engenheiros como eu, e não faço idéia se é verdadeira, mas tem uma moral muito interessante.

Conta-se que certo dia (lá pelos anos 20 eu suponho) a divisão dos carros Pontiac da General Motors recebeu uma reclamação de um cliente. O homem dizia que seu carro se recusava a ligar toda vez que ele comprava sorvete de baunilha.

Segundo o cliente, sua família tinha uma longa tradição de tomar sorvete após o jantar e todas as noites, depois de uma rápida votação para escolher o sabor, ele pegava o carro e ia até a sorveteria da cidade. Esta pequena viagem tinha se tornado um problema desde que ele comprara seu novo Pontiac pois, sempre que ele voltava da loja com sorvete de baunilha o carro não pegava. Se ele escolhesse qualquer outro sabor, o carro pegava sem problemas.

Mesmo cético sobre o problema, o presidente da General Motors enviou um engenheiro para investigar a alegação (lembre-se que isso ocorreu há muito tempo atrás....). O engenheiro encontrou-se com o cliente e surpreendeu-se ao se deparar com um homem bem esclarecido sem sinais aparentes de insanidade. Logo após o jantar foram até a cidade comprar o sorvete. Dito e feito: assim que o homem voltou da loja com o sorvete de baunilha e tentou ligar o carro... nada! Por mais três noites o homem repetiu a experiência acompanhado do engenheiro. Na primeira noite, pediu sorvete de chocolate; o carro pegou. Na segunda noite, pediu strawberry; o carro pegou. Na terceira, baunilha e o carro.... nada!

O engenheiro, desconcertado, fez o que qualquer engenheiro faria (em vez de sugerir terapia para o carro): começou a medir. Mediu o tempo de viagem até a sorveteria, o tipo de gasolina usada, o nível de óleo, a temperatura ambiente, etc. Logo a resposta ocorreu ao engenheiro: o homem demorava menos tempo para comprar o sorvete de baunilha do que qualquer outro sabor! É que como baunilha era de longe o sabor mais popular da loja, ele ficava numa caixa separada no balcão. Qualquer outro sabor o balconista tinha que buscar nos fundos da loja e isso exigia muito mais tempo.

Quando o engenheiro descartou a explicação sobrenatural (bem, não era realmente sobrenatural, mas vocês já viram aonde eu quero chegar) descobrir o defeito foi bem mais fácil. Na verdade o problema acontecia todas as noites: era uma válvula que ficava travada devido ao vapor e impedia a ignição. O tempo extra para buscar o sorvete nos fundos da loja permitia que o motor se resfriasse e o vapor se dissipasse.

Diz-se que a moral dessa história é que mesmo as alegações estranhas podem ser reais, e que os fatos, por mais bizarros que sejam, ainda são fatos. Assim colocada, esta história costuma ser usada para nos lembrar que cabe ao verdadeiro cientista investigar qualquer alegação, mesmo as mais estapafúrdias.

Para mim a verdadeira moral dessa história é a seguinte: Correlação não é Causa.

Embora houvesse uma correlação entre o evento "sorvete é de baunilha" e o evento "motor não liga", isso não implicava em uma relação de causa e efeito do tipo: o motor não liga PORQUE o sorvete é de baunilha. Esse é um dos erros mais comuns que vemos hoje nas páginas da imprensa científica. Alguém junta um amontoado de dados sobre incidência de câncer no país nos últimos 100 anos e o consumo de coca-cola e bum! a coca-cola causa câncer.

Diz-se que na idade média alguém percebeu que nos lugares onde havia muitos gatos a incidência da peste negra era maior. Como os gatos não eram muito bem vistos naquele tempo, os caras concluiram que eles estavam transmitindo a peste e mataram todos. Os que eles não imaginaram é que havia muitos gatos nos lugares onde havia muitos ratos, e que estes sim eram os verdadeiros vilões da história. Sem os gatos para controlar a população de ratos a situação acabou se agravando.

O aquecimento global é outro exemplo clássico. Ninguém duvida que a temperatura está subindo e ninguém duvida de que a emissão de poluentes está aumentando, o que, é claro, só pode ser uma coisa muito ruim. Mas não há uma conclusão segura, ainda, de que um cause o outro.

Me lembrei disso enquanto vasculhava meus emails procurando dados para um artigo e encontrei um velho foward do Dr. Stefano Jorge sobre um estudo sueco. No estudo os cientistas diziam que extrair dentes pode causar perda de memória:

"Os dentes parecem ter uma importância enorme para a nossa memória", afirma Jan Bergdahl, dentista, professor associado da faculdade de psicologia da Universidade de Umeaa, no norte da Suécia, e um dos autores do estudo. Parte de uma pesquisa mais ampla sobre a memória chamada Betulastudien, o estudo acompanhou 1.962 pessoas com idades entre 35 e 90 anos desde 1988, comparando a memória daqueles que tinham todos dentes e a dos que os extraíram e passaram a usar dentaduras. 'As pessoas que não tinham dentes tiveram sua memória claramente afetada em comparação com aqueles que tinham', disse Bergdahl.

Não deve ser por nada que há tão poucas menções na internet sobre esse estudo. Dá pra imaginar um milhão de motivos pelos quais poderia haver uma correlação entre dentes extraídos e perda de memória: má alimentação, baixo nível escolar com pequeno estímulo à leitura, idade avançada e principalmente o abalo psicológico de você arrancar todos os seus dentes. Não sei vocês, mas eu esqueceria até o nome da minha mãe se tivesse que passar a colocar meus dentes em um copo todas as noites. Aliás, quando extraí meu dente siso, com um gorila furioso que arrancou o dente a marteladas, por pouco não encontrei o caminho da minha casa.




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