Carta psicografada ajuda a inocentar ré por homicídio no RSSim, vamos respeitar as idéias alheias. E no futuro, quando você estiver no banco dos réus, talvez uma carta psicografada possa absolvê-lo. Quer saber? Talvez no futuro as autoridades gaúchas possam empregar, além do polígrafo, a brincadeira do copo, ou um tabuleiro Ouija apropriadamente estampado com mulheres vendadas e outros ícones judiciários. Claro, sempre há o risco de que o juíz esteja mais inclinado a aceitar os depoimentos de algum "especialista" em tarô convocado pela acusação... ou que o honorável Meritíssimo simplesmente resolva a contenda usando um pêndulo, ou uma forquilha, ou um baguá. Mas, aconteça o que acontecer, não se preocupe em ser vítima de um veredicto injusto: tribunais cuidadosamente decorados segundo os príncipios milenares do feng-shui certamente trarão mais "energia positiva" aos jurados e assegurarão julgamentos justos.
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LÉO GERCHMANN
da Agência Folha, em Porto Alegre
Duas cartas psicografadas foram usadas como argumento de defesa no julgamento em que Iara Marques Barcelos, 63, foi inocentada, por 5 votos a 2, da acusação de mandante de homicídio. Os textos são atribuídos à vítima do crime, ocorrido em Viamão (região metropolitana de Porto Alegre). O advogado Lúcio de Constantino leu os documentos no tribunal, na última sexta, para absolver a cliente da acusação de ordenar o assassinato do tabelião Ercy da Silva Cardoso. Polêmica no meio jurídico, a carta psicografada já foi aceita em julgamentos e ajudaram a absolver réus por homicídio.
"O que mais me pesa no coração é ver a Iara acusada desse jeito, por mentes ardilosas como as dos meus algozes (...). Um abraço fraterno do Ercy", leu o advogado, ouvido atentamente pelos sete jurados.
O tabelião, 71 anos na época, morreu com dois tiros na cabeça em casa, em julho de 2003. A acusação recaiu sobre Iara Barcelos porque o caseiro do tabelião, Leandro Rocha Almeida, 29, disse ter sido contratado por ela para dar um susto no patrão, que, segundo ele, mantinha um relacionamento afetivo com a ré. Em julho, Almeida foi condenado a 15 anos e seis meses de reclusão, apesar de ter voltado atrás em relação ao depoimento e negado a execução do crime e a encomenda.
Sessão espírita
Não consta das cartas, psicografadas pelo médium Jorge José Santa Maria, da Sociedade Beneficente Espírita Amor e Luz, a suposta real autoria do assassinato. O marido da ré, Alcides Chaves Barcelos, era amigo da vítima. A ele foi endereçada uma das cartas. A outra foi para a própria ré. Foi o marido quem buscou ajuda na sessão espírita. O advogado, que disse ter estudado a teoria espírita para a defesa (ele não professa a religião), define as cartas como "ponto de desequilíbrio do julgamento", atribuindo a elas valor fundamental para a absolvição. A Folha não conseguiu contato com o médium. Os jurados não fundamentam seus votos, o que dificulta uma avaliação sobre a influência dos textos na absolvição. Os documentos foram aceitos porque foram apresentados em tempo legal e a acusação não pediu a impugnação deles.
Polêmica
A adoção de cartas psicografadas como provas em processos judiciais gera polêmica entre os criminalistas. A Folha ouviu dois dos mais importantes advogados especializados em direito penal no Rio Grande do Sul. Um é contra esse tipo de prova. O outro a aceita. De acordo com Antônio Dionísio Lopes, "o processo crime é uma coisa séria, é regido por uma ciência, que é o direito penal. Quando se fala em prova judicializada, o resto é fantasia, mística, alquimia. Os critérios têm de ser rígidos para a busca da prova e da verdade real".
"O Tribunal do Júri se presta a essas coisas fantásticas. O jurado pode julgar segundo sua convicção íntima, eles não têm obrigação de julgar de acordo com a prova. A carta só foi juntada aos autos porque era um tribunal popular. Isso é o mesmo que documento apócrifo."
Para Nereu Dávila, "qualquer prova lícita ou obtida por meios lícitos é válida. Só não é válida a ilícita ou obtida de forma ilícita, como a violação de sigilo telefônico. Quanto à idoneidade da prova, ela será sopesada segundo a valoração feita por quem for julgar. Ela não é analisada isoladamente, mas em um conjunto de informações. Os jurados decidem de acordo com sua consciência.