South Park e os Mórmons
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South Park e os Mórmons



Na conferência iberoamericana sobre pensamento crítico ouvi um conferencista argentino dizer que é preciso respeitar as pessoas mas não suas idéias. Este é um pensamento sensacional e eu me lembrei dele ao assistir um episódio de South Park (meu desenho favorito) há alguns dias.

No episódio um novo aluno chega à escola, Gary, vindo de Utah. Muito educadinho e solícito, Gary imediatamente desperta o ódio do resto da turma que decide que ele precisa levar uma boa surra para deixar de ser tão irritantemente certinho. Stan é designado para acertar o garoto durante o recreio mas ao confrontá-lo fica completamente desarmado por sua simpatia e bons modos. E, meio que sem saber como, em vez de dar porrada no cara, acaba voltando com um convite para jantar na casa dele.

Naquela noite Stan comparece a casa do coleguinha e é recebido por sua amável família (talvez amável demais). Lá pelas tantas, depois de se divertirem brincando, cantando e encenando Hamlet, o patriarca anuncia que é hora de ler as escrituras do Livro dos Mórmons. Stan pergunta o que é o Livro dos Mórmons e Gary responde que é o livro escrito por Joseph Smith. "E quem é Joseph Smith" pergunta Stan, provocando uma inocente risadinha dos demais. "Ora, a pessoa mais importante em todo o mundo!", diz uma das crianças. Assim o pai de Gary começa a contar a história de Joseph Smith, que passa a ser narrada na forma de um engraçadíssimo musical, interrompido e retomado diversas vezes durante o episódio.

Joseph Smith é um peregrino na América que muita gente considera meio biruta. Numa bela noite Joseph Smith recebe a visita de um anjo que se diz um nativo americano chamado Moroni. Diante do espanto de Joseph, que lhe pergunta como um nativo americano pode ser branco, o anjo responde que os nativos americanos são na verdade descendentes dos judeus que imigraram para os EUA muito anos antes de Cristo, e que eles eram brancos até que Deus fez com que sua pele ficasse vermelha como punição por seus pecados. O anjo Moroni também revela que o próprio Jesus Cristo viveu nos EUA por muito tempo depois de sua ressureição e que estas e outras histórias mirabolantes estão descritas em placas de ouro enterradas bem próximo dali.

Guiado pelo anjo, Joseph encontra as placas contendo o inédito evangelho e conta a todos do vilarejo a sua descoberta, com um detalhe interessante: ele diz que recebeu ordens explícitas de Deus para nunca mostrar as placas a ninguém. "Uauuu! isso deve ser verdade!", dizem todos (e o coro canta "dumb, dumb, dumb, dumb, dumb" ou "burro, burro, burro, burro, burro"). Então Joseph começa a traduzir as placas, com o auxílio de duas pedras mágicas, que teria encontrado junto das placas. Para isso ele as coloca dentro de uma cartola e enfia sua cabeça nela de maneira que a luz divina das placas possa emanar delas. Assim, com a cabeça dentro da cartola, ele vai traduzindo os textos sagrados, enquanto seu editor, que acha tudo muito natural ("dumb, dumb, dumb, dumb, dumb"), vai tomando nota.

A única pessoa que desconfia de Joseph é a esposa do editor. Ela propõe dar sumiço nas folhas já traduzidas; se Joseph estivesse mesmo de posse das placas ele seria capaz de traduzí-las novamente, mas se estivesse inventando tudo eles saberiam (a única hora em que o coro canta "smart, smart, smart, smart, smart"). Quando Joseph Simth fica sabendo que a primeira parte da sua tradução se perdeu fica desconcertado, mas algumas orações depois Smith tem tudo resolvido: segundo ele Deus havia ficado tão furioso com a perda das folhas que nunca mais permitiria que a primeira das placas fosse traduzida novamente. Não! em vez disso Deus somente permitiria a tradução da outra placa, que contava a mesma história, mas ligeiramente diferente. "Uauuuu!" dizem todos. Eis a prova definitiva que Joseph Smith não estava mentindo! ("dumb, dumb, dumb, dumb, dumb"). E foi assim que nasceu o Livro dos Mórmons.

Agora você deve estar pensando (como eu pensei depois de ver o episódio): "Ora isso é só uma sátira. Ninguém, eu quero dizer, ninguém mesmo, seria tão estúpido de acreditar nisso". Por via das dúvidas e com a máxima de Einstein na cabeça: "Só duas coisas são infinitas, o universo e a estupidez humana. Não estou certo da primeira" decidi googlar a história dos mórmons. Pois não é que o retrato mostrado por South Park é bastante real? Encontrei até um site, o Rethinking Mormonism, que analisa o desenho separando o que ele tem de real e imaginário, e a conclusão é que muito pouco não corresponde ao que está escrito no Livro dos Mórmons (em português aqui).

O engraçado é que o desenho, normalmente escatológico, vulgar e politicamente incorreto até a medula, se revelou um perfeito exemplo da citação de que se deve respeitar as pessoas mas não suas idéias. A idéia do mormonismo é totalmente demolida mas os mórmons são preservados e na verdade se saem até muito bem do episódio. O paralelo entre a família de Gary, onde todos são felizes e centrados, e a família de Stan, onde seu pai assiste televisão com uma lata de cerveja na mão, completamente alheio à esposa e à malcriada filha mais velha, é uma crítica contudente aos nossos valores. Na verdade, o episódio deixa entender que uma religião não precisa ter uma base filosófica coerente para fazer com que seus adeptos sejam pessoas melhores. O pequeno discurso que Stan recebe de seu amiguinho mórmom (já não tão amiguinho assim no final da estória) resume bem a moral do desenho:
"Olha, talvez nós mormons realmente acreditemos em estórias malucas que não fazem nenhum sentido, e talvez Joseph Smith tenha inventado tudo no final das contas, mas eu tenho uma vida boa e uma boa família e eu agradeço ao Livro dos Mormons por isso. A verdade é que eu não ligo se Joseph Smith inventou tudo porque o que a igreja ensina agora é que devemos amar nossa família, ser gentis e ajudar as pessoas. E mesmo que as pessoas nessa cidade pensem que isso é estúpido, eu ainda escolho acreditar. Tudo o que eu tentei fazer é ser seu amigo, Stan, mas você é tão esperto e fodão que não pôde aceitar minha religião e minha amizade. Você tem um bocado a aprender cara. Suck my balls.

O episódio se chama "All About The Mormons" e parece ser muito popular. É um dos mais fáceis de encontrar no edonkey. Não vem com legendas, mas o roteiro está todo aqui.




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