Desde a década de 1970 no Brasil, e mais recentemente também em outros países, o álcool &mdash seja nosso etanol de cana-de-açúcar, ou o obtido de outras fontes &mdash tem substi tuído em parte a gasolina como combustível de automóveis. Mas persistia o problema do óleo diesel, que o País consome em grande quantidade e tem de importar, pois ele movimenta boa parte do transporte de cargas e de passageiros. É essa substituição o objetivo do programa de biodiesel, combustível que se tornou obrigatório no Brasil agora em janeiro em proporção de 2%.
Assim como o etanol, o biodiesel é um combustível renovável. É obtido por uma reação química com metanol ou etanol, na presença de um catalisador (processo chamado de transesterificação), a partir de gorduras animais ou de óleos vegetais, como os de mamona, dendê, soja, algodão, girassol, babaçu, amendoim e pinhão manso. Não deve ser confundido, porém, com o próprio óleo vegetal. O processo químico retira a glicerina do óleo, que impediria seu uso como combustível e que é então aproveitada na indústria química.
A idéia de usar óleos vegetais nos veículos pertence ao início da história do automóvel. Rudolf Diesel, o inventor do motor que leva seu sobrenome, já via no óleo vegetal uma fonte de combustível para sua criação. Chegou a demonstrar, em uma exposição em Paris, em 1900, um motor trabalhando com óleo à base de amendoim. Mas o diesel obtido do petróleo mostrou-se vantajoso diante da ampla oferta, e se tornou praticamente absoluto. Só na década de 1970, com as crises do petróleo em 1973 e 1979 e as normas de controle de emissões poluentes, é que o mundo voltou a estudar o uso de óleos vegetais no lugar do diesel tradicional.
Para que o leitor conheça os efeitos do uso de biodiesel e tire dúvidas sobre o novo combustível, Oficina Brasil preparou uma série de perguntas e respostas.
O biodiesel é vendido puro?
Não. Ele foi adotado em mistura ao diesel tradicional, identificada com a letra B, de blend. O B2 que começou a ser vendido no Brasil, por exemplo, indica 2% de biodiesel para 98% de diesel. A Lei nº 11.097, de 13 de janeiro de 2005, determina a adição desse percentual mínimo de biodiesel ao diesel vendido em todo o País de janeiro de 2008 em diante. O teor será aumentado para 5% em janeiro de 2013, formando o chamado B5.
O B2 pode trazer problemas ao motor?
Não. Em novembro passado a SAE Brasil (sociedade dos engenheiros automotivos no País) debateu o assunto, sob coordenação de Luso Ventura, diretor de Comissões Técnicas da Sociedade, com especialistas da indústria automobilística, de motores e de autopeças &mdash Delphi Diesel, Robert Bosch, MWM International, Cummins, Scania e Volkswagen Caminhões e Ônibus. A conclusão foi de que o biodiesel a 2% não causa nenhum impacto sobre o motor. Os veículos comerciais da VW até já saem da fábrica atestados para essa mistura.
E quanto a um percentual maior?
De acordo com o engenheiro especialista em combustíveis e lubrificantes Gian Marques, da SAE Brasil, acima de 2% "corre-se o risco de problemas para o motor, como entupimentos dos filtros, carbonização dos injetores e furo dos pistões, entre outros". O biodiesel tem, na verdade, a propriedade de desprender resíduos já formados no motor, o que pode entupir rapidamente o filtro de combustível. Alguns componentes do motor não preparados para ele podem se danificar com o uso, sobretudo em veículos mais velhos.
Para Luso Ventura, no entanto, "não são esperados efeitos negativos até a mistura B5, mesmo que haja algum &lsquoescorregão&rsquo na qualidade do produto, em um abastecimento ou outro. Já em teores acima de 5%, problemas de qualidade do biodiesel (ou seja, fora da especificação) poderão ser muito críticos, mesmo em um único abastecimento. Se tudo estiver dentro do especificado, existe somente o risco de degradação do biodiesel proveniente de alguns vegetais durante armazenamento prolongado. Estudos para verificação de quais produtos vegetais são mais sensíveis ao tempo de armazenamento estão sendo realizados."
No período de cinco anos, até a adoção do B5, será desenvolvido o Programa Nacional de Testes com o biodiesel de soja e de mamona, em parceria entre fabricantes de veículos e de autopeças. O objetivo é avaliar os efeitos desse percentual e de outros maiores, como o B20, para que os veículos possam ter mantida sua garantia e a vida útil do motor. Serão testados quatro tipos de sistemas de injeção de combustível: UIS (unit injection system), UPS (unit pump system), de duto único (common rail) e bomba rotativa.
Alguns fabricantes no exterior já validaram motores para percentuais maiores. Os utilitários esporte franceses Citroën C-Crosser e Peugeot 4007, por exemplo, usam motor turbodiesel apto a rodar com B30.
Há ônibus em São Paulo que circulam com 30% de biodiesel. Em frotas de agricultores, sobretudo no Centro-Oeste, máquinas agrícolas e caminhões rodam com biodiesel puro ou mesmo óleo vegetal. Isso é correto?
Não. A SAE Brasil aponta que tais ônibus usam uma mistura de 30% de biodiesel, 8% de álcool anidro e 62% de diesel, o que não deveria ser feito, ao menos nesta fase de testes. "A empresa que opera essa frota está se arriscando e poderá ter problemas nos motores dos ônibus", afirmou um dos participantes do debate. Sobre o uso de óleo vegetal ou sua adição ao diesel de petróleo, os debatedores têm consenso de que traz danos ao motor.
Em novembro a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) fechou oito usinas de processamento do biodiesel no Mato Grosso do Sul. Elas vendiam óleo diretamente aos agricultores, o que é irregular. "O produtor agrícola não está impedido de utilizar o biodiesel puro", esclarece a SAE Brasil, "mas isso só pode ser feito se tiver instalação para processamento de óleo e se o combustível for usado em suas próprias máquinas, sabendo que isso pode prejudicar o motor". É claro que a garantia do veículo fica invalidada com o uso desse combustível.
O biodiesel afeta o desempenho ou o consumo?
Em baixas proporções, não. Se usado puro (B100), há perda de potência de 8% a 10%, porque o biodiesel tem poder calorífico menor que o diesel. Segundo Luso Ventura, essa perda seria facilmente contornada com novo ajuste do sistema de injeção.
Há diferenças entre o biodiesel obtido de um óleo vegetal e de outro?
Sim. A escolha do óleo vegetal acarreta variações nos níveis de cetano, na qualidade de lubrificação e no ponto de congelamento, segundo a SAE Brasil. O óleo de soja tem maior tendência à oxidação o de mamona tem viscosidade maior, mas se deixa contaminar mais facilmente pela água.
O uso de biodiesel afeta as emissões poluentes pelo veículo?
Sim. Estudo do Comitê Nacional de Biodiesel, nos Estados Unidos, apontam que o motor abastecido com B20, em comparação ao que usa diesel de petróleo, obtém redução de 20% em hidrocarbonetos não queimados, de 12% em monóxido de carbono e de 13% em sulfatos. Se for usado biodiesel puro (B100), as reduções são ainda maiores: 67%, 48% e 100%, nesta ordem. Por outro lado, à medida que se aumenta o percentual de biodiesel, crescem as emissões de óxidos de nitrogênio (NOx). O B20 aumenta essa emissão em 2%, e o biodiesel puro, em 10%, segundo o mesmo estudo americano.
O biodiesel é mais ou menos seguro que o diesel convencional?
É mais seguro. Primeiro por não ser tóxico. Para se ter uma idéia, o sal de cozinha é 10 vezes mais tóxico que o biodiesel puro, B100. Segundo por ter um ponto de fulgor mais alto que o do diesel de petróleo, ou seja, só queima em temperatura mais elevada. Isso torna mais difícil ocorrer uma combustão acidental durante o transporte e o armazenamento.
Os novos motores já estão adaptados para rodarem com quantidades maiores de biodiesel
Os grãos são mais utilizados na obtenção de biodiesel, devido a sua grande produção de óleo