O fim do mundo começou. Pelas revistas de ciência
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O fim do mundo começou. Pelas revistas de ciência


Superinteressante atingiu o fundo do poço. Chegou àquele ponto em que para ficar pior ela terá que sacar uma picareta e cavar para expandir os limites de quão ruim uma revista de ciência (quem diz é ela mesma) pode ser.

Porque não é qualquer revista que, à maneira de um profeta medieval, sai gritando por aí em manchetes enormes que o fim do mundo começou e que há uma conspiração para esconder isso do público. Mas é preciso dar o braço a torcer e admitir que eles foram espertos na escolha das palavras. Em vez de colocar "O Fim do Mundo está Próximo" usaram "O Fim do Mundo Começou". E ninguém poderia dizer que estão errados, afinal é mais ou menos como "O primeiro dia do resto das nossas vidas", quer dizer, todo dia é o primeiro dia do resto das nossas vidas assim como todo o dia é o começo do fim do mundo...

Mas isso é só o início...

No índice, chamado de Cardápio nesta edição, lê-se sobre o título da matéria "Elementos do Mal":
"Até mesmo a tabela periódica tem o seu lado negro. Diretamente das profundezas da química, veja como agem os venenos mais mortais que a natureza já produziu".
O que pode querer dizer isso? O que a pobre tabela periódica pode ter a ver com o fato de que alguns elementos que ela representa fazem mal ao homem? Chamar a tabela periódica (até ela!) de uma espécie de Dart Vader da química não é mesmo que dizer que o Mapa Mundi tem o seu lado negro, só porque abriga países que apoiam o terrorismo? E que bobagem é essa de "diretamente das profundezas da química..."?! como se enumerar cinco elementos químicos, suas aplicações e perigos para a saúde fosse de alguma profundeza espetacular...

Na capa, sob a espalhafatosa mini manchete "Os Doidões que Salvaram Hollywood" está a pequena chamada para o artigo:
"Como o sexo e as drogas tiraram a indústria do cinema dos EUA do buraco."
Aí eu penso: ora, será que eles vão ser capazes de sustentar esta manchete? Será que vão conseguir escrever uma matéria sobre este tema sem subverter a chamada original? Eu conheço a história; sei que lá pelos anos 70 o cinemão americano só exibia bobagens melosas até que um grupo de diretores, que levava um pouco mais a sério o bordão "sexo, drogas e rock and roll" resolveu chacoalhar as coisas. Por isso sei que leitor desta matéria está fadado a ser enganado, pois ninguém em sã consciência poderá sustentar que aqueles sensacionais diretores que criaram as obras primas dos anos 70 e 80 fossem especialmente criativos e geniais porque se drogassem e participassem de orgias. Acho que seria mais correto dizer que eles romperam com os velhos paradigmas de Hollywood aplicando às velhas fórmulas do cinema a mesma rebeldia e energia intensa mas inconsequente que aplicavam às suas próprias vidas.

Até aqui nota-se um padrão. Na ânsia histriônica de querer parecer super-hiper-mega-blaster interessante a revista imbeciliza suas manchetes até o ponto de fazê-las ficar não só abobalhadas mas incorretas. E isso para citar só as manchetes...

Agora veja a pequena matéria na seção "Super Respostas" sobre a vida do Conde de Saint-Germain, personagem da história que muita gente dizia ser imortal. Depois de discutir as evidências da imortalidade do conde, a revista conclui assim:
"Talvez o enigma seja insolúvel. Saint Germain, em algum lugar, deve estar sorrindo frente ao nosso espanto".
Além de ser um tanto irônico que uma matéria de uma seção intitulada "Super Respostas" não dê resposta nenhuma, é bastante estranho que uma revista de ciência saia por aí dizendo, mesmo em tom de brincadeira (se houve alguma ironia eu não percebi), que pode haver pessoas imortais. Ora, tudo bem... estamos na mesma revista que diz que o mundo vai acabar... quem sabe o fim do mundo não dá cabo do tal conde?

Na matéria da capa, lá pelas tantas, quando fala sobre os modelos computacionais para estudar o clima, o autor diz:
"por mais memória que um computador tenha, ele ainda fica longe da complexidade da atmosfera terrestre"
De doer não? Será que o culpado por esta bobagem escreveu o artigo em uma máquina de escrever? Porque um computador não fica mais complexo colocando mais memória nele. Nem mais rápido também, se foi isso o que o autor quis dizer. E mesmo que ficasse, o problema de prever o tempo e estudar o clima não é somente uma questão de computadores capazes de processar mais variáveis em menos tempo. O problema com o clima é que ele é um sistema caótico que simplesmente não pode ser previsto a longo prazo. (Sobre isso aconselho a leitura do agradável artigo do Alexandre Taschetto no Pipoca com Ciência, nosso abandonado site irmão.)

Um pouco antes deste ponto o autor escreveu:
"Mas, afinal, de onde vem o aquecimento global? Acertou quem respondeu 'efeito estufa'"
Um pouquinho depois diz:
"Vários efeitos, alguns bem difíceis de medir influem no clima. Pode ser por exemplo que o planeta sofra uma grande influência das mudanças na atividade solar. O resultado disso é que apesar dos cientistas saberem que o planeta está esquentando, ninguém pode determinar ao certo qual a percentagem deste aquecimento é culpa nossa."
E logo mais:
"Realmente há muitas dúvidas cercando o assunto - só que a existência do aquecimento global e a nossa responsabilidade nele não estão entre elas."
E aí? Nós temos ou não culpa pelo aquecimento global? Ele é ou não é causado pelo efeito estufa? Para saber isso é melhor ler outra revista.

E pensar que essa é a revista que está trazendo a reedição de Cosmos, referência para toda uma geração que veio a se interessar pela ciência. Carl Sagan não poderia ter sido mais mal apadrinhado...




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